terça-feira, 14 de outubro de 2008

Os peixes se derramam-nos, Tales

Devagarito, na contraluz do universo, vão se cosendo nossas noites, cada vez mais inúteis
Eu, antes senhora, mariposa, luz, agora megulho num oceano de distâncias e mundos novos, ausentes ti
Vamos nos desfazendo das tranças de sal e nos tornando reais
Nossos cabelos, algas antigas, assentam o que é apenas matéria, e o silêncio do grande lago é usina que desconcerta e dói
É esse teu querer-fuligem que captura as conchas
Que seca o ventre
Desfaz a brisa
Aterra o sol

Tens a alma mais magra enquanto esperas
E todos os dias esperas demais, enquanto a poesia se perde, famigerada, desgraçadamente

Os peixes todos abandonam-nos a sós, Tales querido
Escorregam, famintos
Semi-vivos
Desfigurados

O tempo, de correr, cansou-se

Onde foram as matizes azuis?
Os labirintos de água
Os sussurrares das ondas
Os leões-marinhos
Os cardumes, transparentes, líquidos

Nos costuraste na ilha
Repleta de enguias

Apenas Tales
Nunca mais Tales
Não te pertence mais o nome com o qual te batizei

domingo, 14 de setembro de 2008

Não quero dar ares demasiadamente sérios ao poema
Quero que tenha ginga, que tenha alma e, quem sabe, rima
E isso é tanto, que abraça o mundo todo...

Quero catar com minhas largas mãos, um punhado de estrelas
E esparramá-las no poema!!! inundado de luz e difusões celestes

Eu quero o invisível

domingo, 24 de agosto de 2008

Marcelo Ramos, de Muletas

(Para Aline Kundera)

Chamaram-a na agência onde trabalhava, apresentando o novo designer
Calvo, alto, quase esguio, e de muletas
Velho querubin reenviado

Pigarreou, mesmo que não fumasse a centenas
Deu cãimbras no peito, quase quebrou o salto
Não tropeçou, deveras

Dizem que tocaram sinos
Abriu-se uma caixa de pombas
Pingaram estrelas

Lhe chamou para jantar, que lhe mostrasse a cidade nas suas melhores cores
Ela embargou a voz e se fez perfeita
Durante 12horas
Três dias
Dois cafés na Praça da Paz

Até que algo entristecesse, e o tornasse corcunda, muito manco
Mais manco do que jamais supunha...
Querubim cheio de calos, lobo
Desdenhou da fera, nova em demasia
E começou com canos, recuos, desculpas

As pombas quedando-se aturdidas
Os ventos crispando-lhe os cabelos

Nenhum vestido satisfazia
A ausência daqueles dedos
(...) dádivas do velho senhor

Andava pela agência cometendo toda a sorte de equívocos
À disposição somente
De um certo rei distante
Um arcanjo falido
Apenas um atormentado

Atada.

Jogando o resto na lama, entregou o anel de noivado com outro paspalho qualquer
E foi ter com Marcelo Ramos o que nunca fora possível com outro, num passeio de navio

sábado, 23 de agosto de 2008

Vinho da Alma

No reino da hiperlucidez tomas gim comigo, sentado no jardim e de chapéu
Te esqueces de ti mesmo, apenas amando-me sem fim
O vento morno precipita, cospe
Das nogueiras saltam perfumes
As nogueiras são liláses
Teu chapéu escorre de tuas mãos, o gim escorre, os jardins, as árvores e os frutos quentes escapam-nos
Ficamos esquecidos, a sós
E tu continua a amar-me, preservado
Ao redor, tudo flotando
Bromélias, amarilis perfumadas
Um anão desandado anuncia novos rumos, outros reinos escolhidos
Esquilos cochilam a mirar-nos
Estamos fluídos e espumados, sem distinção
"La Mirada é Verdadeira"

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Minha Mandala Brilhante, Meu Jasmim

Dos jardins despencam, querido, os últimos cáquis da estação, e te demoras.

sábado, 16 de agosto de 2008

Tales, estás rubro!




A manhã mente que é nova mas falseia, Tales, a ti e a mim
É a mesma, identica manhã, desenlaçada
Posto que é a mesma mente
Aquela que perpetuou até hoje todos os lares e igrejas
Através de sóis e tempestades
Levando tantos derreterem nas fogueiras

E mesmo que, jovem, te esforces para modernizar a alma
Possui as mesmas calamidades dos teus pais, querido...
Posto que meu amor te assusta ainda
Quase te expulsa, te afugenta

Ando pela casa, enluarada, como brisa
Te chamo, meu amor, mas as febres noturnas acorrentam-nos
Não nos dissolvem, contraem-nos mais profundamente
Tecendo labirintos cheios de cores, mas noturnos
Donde as manhãs esburacadas passam

Peço, pois, a morte das filosofias!
Que eu tenha forças para descontinuar as eras
E contrariando, enfim, a elas
Nunca mais deixar de amar